domingo, 20 de março de 2011

Ahasverus e o Gênio

  
Sabes quem foi Ahasverus?... — o precito,
O mísero Judeu, que tinha escrito
Na fronte o selo atroz!
Eterno viajor de eterna senda...

Espantado a fugir de tenda em tenda,

Fugindo embalde à vingadora voz!
Misérrimo! Correu o mundo inteiro,
E no mundo tão grande... o forasteiro
Não teve onde... pousar.
Co'a mão vazia-viu a terra cheia.

O deserto negou-lhe — o grão de areia.
A gota d'água — rejeitou-lhe o mar.
D'Asia as florestas-lhe negaram sombra
A savana sem fim-negou-lhe alfombra.
O chão negou-lhe o pó!...
Tabas, serralhos, tendas e solares...

Ninguém lhe abriu a porta de seus lares
E o triste seguiu só.
Viu povos de mil climas, viu mil raças,
E não pôde entre tantas populaças
Beijar uma só mão...
Desde a virgem do Norte à de Sevilhas,
 
                                         
Desde a inglesa à crioula das Antilhas
Não teve um coração!...
E caminhou!... E as tribos se afastavam
E as mulheres tremendo murmuravam
Com respeito e pavor.
Ai! Fazia tremer do vale à serra...

Ele que só pedia sobre a terra
— Silêncio, paz e amor! —
No entanto à noite, se o Hebreu passava,
Um murmúrio de inveja se elevava,
Desde a flor da campina ao colibri.

"Ele não morre", a multidão dizia...

E o precito consigo respondia:
— "Ai! mas nunca vivi!" —


O Gênio é como Ahasverus... solitário
A marchar, a marchar no itinerário

Sem termo do existir.

Invejado! a invejar os invejosos.
Vendo a sombra dos álamos frondosos...
E sempre a caminhar... sempre a seguir...
Pede u'a mão de amigo-dão-lhe palmas:
Pede um beijo de amor— e as outras almas 

Fogem pasmas de si.

                                     E o mísero de glória em glória corre...
                                                                        Mas quando a terra diz: — "Ele não morre"
                                                                            Responde o desgraçado:-"Eu não vivi!..."

- Castro Alves, de Espumas Flutuantes -

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